quarta-feira, 2 de setembro de 2009

Acabou a Queda de Juros

Não foi difícil prever que o ciclo de queda de juros na economia brasileira iria ser encerrado nessa quarta-feira. A interpretação, um tanto quanto forçada, de que o nível de atividade da economia brasileira estaria em plena recuperação deve ter sido a base para justificar o congelamento da SELIC.

A previsão de que falo está registrada em meu artigo semanal na Revista Digital publicado no último dia 13 de agosto (http://www.revistadigital.com.br/ideias_numeros.asp?NumEdicao=512&CodMateria=4817), quando enumerei os principais motivos pelos quais as autoridades monetárias optariam
pelo
endurecimento da política monetária a partir do final de agosto:


1) iniciam os movimentos dos negócios voltados para as festas de final de ano. A atividade industrial tende a aumentar sazonalmente. Em média, no decorrer dessa década, a produção das fábricas brasileiras no segundo semestre foi 8% superior ao do primeiro. No comércio essa vantagem da metade final do ano chega a 12%. Tal contexto deixa fácil prever a queda da taxa de desemprego. Mas atenção: tais dados não significam recuperação da economia, mas sim aspectos favoráveis centrados tradicionalmente na segunda metade de cada ano. E com mais produção e emprego, os gastos tendem a aumentar, gerando risco inflacionário. Baixar juros nesse contexto vai contra os manuais operacionais dos bancos centrais.

2) A comprovação do efeito inflacionário: na atua década, a inflação média mensal do primeiro semestre foi de 0,54%, de acordo com o IPCA-IBGE. Na segunda metade do ano a variação média de preços ficou em 0,59%. Essa diferença aparentemente pequena é relevante na sua relativização. A alta de um período para outro fica em 8,9%, o que é preocupante para os padrões das autoridades monetárias, apesar de ser o esperado.

3) Outro aspecto que deve pesar nesse último quadrimestre de 2009 é a provável diminuição da credibilidade dos títulos da dívida brasileira. Afinal, com a arrecadação de impostos caindo sem que as despesas de custeio da máquina pública sigam o mesmo caminho (na verdade continuam crescendo), o fantasma do déficit das contas nacionais volta a ter força de assombração. Diminuir juros nesse ambiente é praticamente pedir para que os investidores peguem seu dinheiro de volta.

4) Por fim, mesmo que tênues, alguns sinais mostram indícios de recuperação do consumo norte-americano e europeu. Se isso se confirmar, os juros nesses países tendem a gradativamente sair do zero; e os países voltam a ter atratividade de capital. Afinal, as nações ricas queimaram quase todas as suas fichas para evitar uma depressão maior do que a que está ocorrendo. Isso significou avanço do endividamento e conseqüente necessidade de captações adicionais. Então, no médio-longo prazo, os juros internacionais deverão subir, competindo com a taxa de remuneração dos títulos brasileiros. Nesse cenário, é praticamente impossível quedas continuadas na SELIC; o movimento tende a ser o oposto.

E o pior de tudo, é que os quatro elementos aqui elencados podem se tornar poderosos o suficiente para fazer com que o COPOM decida aumentar os juros nos próximos meses.

Contra essa perspectiva temos a aproximação do ano eleitoral. E ganhar eleição aumentando o custo do dinheiro é algo difícil em um país como o nosso, que ainda cede aos rompantes populistas nos debates políticos.

Entretanto, se outros bancos centrais resolverem captar mais dinheiro para equilibrar as contas nacionais (os EUA já fizeram isso várias vezes, exportando suas crises) até é capaz de os juros brasileiros subirem.

Não pretendo bancar o agourento. Falo o que acho que pode acontecer de acordo com a previsível mentalidade das atuais pessoas que decidem a política monetária brasileira (COPOM).

Penso que as coisas não precisariam funcionar de acordo com o modelo de gestão em vigor. Como comentei no artigo de 13 de agosto, os juros brasileiros são fruto de uma prodigalidade com o uso de recursos públicos.

O excesso de empreguismo e muitos programas assistenciais estéreis, sob o ponto de vista do desenvolvimento da cidadania, acabam por jogar no lixo centenas de bilhões de reais retirados de cidadãos e empresas contribuintes. E a carga fiscal continua a subir! A própria proposta orçamentária do governo federal prevê, implicitamente, aumento de arrecadação no ano que vem.

Solução existe: cortar custos de forma a erradicar o déficit público (o chamado déficit zero, recentemente conquistado pelo governo gaúcho). Daí se pode trabalhar de forma melhor a dívida pública, impostos e outras variáveis que atrapalham o desenvolvimento brasileiro.

O problema é que há pouquíssimos políticos com coragem suficiente para contrariar as corporações interessadas na manutenção desse status-quo. Mais raro ainda é pinçar uma dessas pessoas públicas responsáveis que tenha chegado a chefiar um executivo municipal ou estadual (nem vale a pena falar do federal).

E desse raríssimo substrato talvez não dê para contar nos dedos de uma mão (por excesso e não falta de dedos), os que fizeram isso e não foram ou não estão sendo politicamente incinerados pelos seus opositores.

O Brasil precisa de mudanças. Talvez a maior delas seja aprender a contrariar interesses que não interessam ao conjunto da sociedade. Cabe, finalmente, dizer: verdade e populismo são antônimos.

Curtas

1) Com a manutenção da Selic em 8,75%, o Brasil atualmente está ocupando a quarta posição dos maiores juros reais do mundo (4,5%, descontada a inflação). Na liderança está a China (7,2%), seguida pela Tailândia (5,9%) e Argentina (4,9%). É lógico que os chineses têm outras formas de compensar seu elevado custo do dinheiro. Senão eles não seriam tão competitivos...

2) Uma aposta: os debates sobre o pré-sal vão perder força no futuro próximo. Aparentemente, a reserva de óleo não é tão grande assim. Além do mais, imposições ambientais e novas descobertas tendem a desvalorizar o petróleo no longo prazo. Hoje mesmo a British Petroleum anunciou uma grande descoberta no Golfo do México (a sortuda Petrobrás tem direito a 20% da jazida). Talvez o melhor para o país seja trabalhar no sentido de reduzir o preço do ouro negro no mercado interno, como forma de melhorar o incômodo Custo Brasil.

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