terça-feira, 3 de agosto de 2010

Os Olhos de Carolina e a Indústria Dançando

Tem razão do Sr. Wilson Telles de Lima quando diz que Chico Buarque de Holanda (por falar nisso, parabéns atrasado à Dona Guiomar) foi e é o melhor compositor brasileiro.


Lembrei desse tema, a meu ver nada polêmico, quando, ao mesmo tempo em que as manchetes da internet destacavam o terceiro mês consecutivo de queda da produção industrial , na rádio tocava a primorosa obra “Carolina”.

Relembrando (espero que com a concordância de nosso compositor maior):

Carolina,
nos seus olhos fundos guarda tanta dor,


a dor de todo esse mundo
Eu já lhe expliquei, que não vai dar,
seu pranto não vai nada ajudar
Eu já convidei para dançar,
é hora, já sei, de aproveitar
Lá fora,amor,
uma rosa nasceu, todo mundo sambou,
uma estrela caiu
Eu bem que mostrei sorrindo,
pela janela, ah que lindo
Mas Carolina não viu...


Carolina,

nos seus olhos tristes, guarda tanto amor,
o amor que já não existe,
Eu bem que avisei, vai acabar,
de tudo lhe dei para aceitar
mil versos cantei pra lhe agradar,
agora não sei como explicar
Lá fora, amor,
uma rosa morreu, uma festa acabou,
nosso barco partiu.
Eu bem que mostrei a ela,
o tempo passou na janela
e só Carolina não viu
Chico Buarque de Holanda, 1967
A pergunta que faço é que, se ela realmente existiu, como estaria o estado de espírito de Carolina quando inspirou Chico Buarque.

Imagino uma mulher bem jovem, quase adolescente, depressiva, que se recusava a admirar, viver as coisas belas da vida, fechando-se também para a beleza que existe em certos eventos mais aquietantes (a morte de uma rosa; o final de uma festa).


E se recusar a ver a realidade tal qual ela é, igualmente está contido na patologia oposta: são os maníacos (como dizem os terapeutas da mente) que mostram euforia em excesso.

Na recente história do país, podemos observar claramente esses dois fenômenos: no final da ditadura militar e primeiros anos da democracia, o povo brasileiro mostrava baixíssima auto-estima; o estereótipo do malandro irreverente dava espaço para chinelão incompetente, muito bem expresso no personagem criado por outro Chico – o Anísio. Falo do ainda famoso “vampiro brasileiro”... e dos olhos tristes de Carolina.

Mas ao longo de mais uns poucos anos, esse auto-retrato do Brasil foi mudando. A conquista da Copa do Mundo de 2002 e a carona que o país tomou em um momento histórico de rápido crescimento da economia mundial mudou o semblante do brasileiro médio.

De fato, a atual década foi predominantemente generosa com o Brasil, viabilizando importante aumento do poder de consumo, seja por melhoria de remuneração, projetos assistencialistas, ou mesmo pelo alongamento do prazo médio de endividamento das pessoas físicas e ampliação da base “socialmente incluída” no acesso ao crédito.

Entretanto, com uma forte ajuda do poder público, grande parte dos trabalhadores, políticos, empresários e profissionais liberais acabou perdendo o senso crítico da realidade da economia; seus riscos e pré-avisos de problemas no horizonte.



Até parece coisa de neurolingüística dos tempos do Sarney na presidência com o slogan “tem que dar certo”... lembra?

Mas o fato é que após um breve susto nos últimos meses de 2008 e primeiros de 2009 veio a propaganda oficial dizendo que o Brasil era um país melhor do que os demais, pois havíamos saído da crise antes dos outros.

E não é que a lorota colou? Desde o ano passado venho avisando através desse blog que as análises oficiais da economia brasileira apresentam apenas a faceta mais conveniente da realidade; não a mais correta.

E com a divulgação por parte do IBGE do terceiro mês consecutivo de queda da produção industrial (comparação frente ao mês anterior), o que foi taxado pelos meus críticos de negativismo, começa a tomar contornos mais palpáveis e coloca em cheque a propaganda oficial ufanista (e por isso mesmo ilusória).

Veja a ilustração a seguir: na esquerda ela mostra o tal do espetáculo de crescimento.

Ali se demonstra que a produção industrial do país chegou a registrar crescimento de 20,12% em março último na comparação com o mesmo mês de 2009. Mas também está bem indicado que o ritmo de expansão das fábricas vem se reduzindo rapidamente, apesar de ainda fechar junho com generosos 11,14% de alta.



Mas agora, vamos prestar atenção naquelas barras mais tímidas do lado direito da imagem em foco. Lá está sendo medido mensalmente o desempenho da indústria do país em comparação com a produção física do mesmo mês de 2008.

E o que vemos? Queda no primeiro bimestre; ensaio de recuperação no segundo; e novo aprofundamento da retração da produção das fábricas no terceiro trimestre de 2010.


Agora, a pergunta que não quer calar: por que os dados entre 2010 e 2009 são tão elevados e a comparação entre 2010 e 2008 mostra literalmente uma porcaria de resultados?

Simples, o fato é que as fábricas do Brasil estão estagnadas e se aproximando de nova recessão. Em resumo, o conjunto de dados da esquerda não passa de uma lorota irresponsável.

A anti-Carolina provavelmente olharia para tais informações e sairia cantando com bandeirinhas “esse é um país que vai para a frente...” (marchinha ufanista da ditadura, nos anos 70).

Bem, fazer o que? Talvez continuar tentando mostrar o que é o mais próximo da realidade.

Para contrapor essa abordagem seria inteligente questionar a respeito dos dados do comércio varejista, que continuam em alta. A resposta para isso é simples: a ampliação da base de consumidores por assistencialismo e democratização do crédito fez o seu serviço.

Porém essas duas importantes variáveis estão se esgotando: as contas públicas estão prestes a ficar em cacos, enquanto a capacidade de endividamento das pessoas físicas está a um passo de extrapolar os limites do razoável, ainda mais com os juros em ascensão.



O agronegócio, é verdade, está literalmente salvando a pátria. Se bem que os produtores de grãos estão externando dificuldades e buscando renegociar suas dívidas...

Enfim, o que o cenário nos mostra é um sinal de alerta. Mas se em tempos normais tais indicativos são escondidos, imagine em temporadas eleitorais?



O fato é que o próximo presidente ou presidenta da república terá sérios desafios logo nos primeiros meses de governo... Pode ser que o contexto que me inspirou a reproduzir a insuperável Carolina se transforme ao ponto de mudar o fundo musical em pauta, para outra composição do genial Chico Buarque..


...Aqui na terra tão jogando futebol
Tem muito samba, muito choro e rock'n'roll
Uns dias chove, noutros dias bate sol
Mas o que eu quero é lhe dizer que a coisa aqui tá preta
Muita mutreta pra levar a situação
Que a gente vai levando de teimoso e de pirraça
E a gente vai tomando e também sem a cachaça
Ninguém segura esse rojão...

Trecho de Meu Caro Amigo, de Chico Buarque de Holanda e Francis Hime