quinta-feira, 15 de outubro de 2009

O Governo na Pindaíba

Já fui chamado de quase tudo: reacionário, líder da turma do quanto pior melhor, Do Contra, além de outros predicados ainda menos lisonjeiros. Os motivos: apenas falar o que penso; não acreditar em consenso; e ousar fazer algumas contas de simples aritmética.


Nessa semana o senado esteve preocupado com o atraso das restituições do imposto de renda das pessoas físicas. Não é para menos. De acordo com as últimas projeções, cerca de US$ 3 bilhões que deveriam ser devolvidos aos contribuintes vão ser jogados para o ano que vem, deixando cerca de 2 milhões de trabalhadores (ou eleitores) pê da vida.

Afinal, a restituição é um direito; e não recebê-la significa, em última instância, um confisco de propriedade. Será que o contrário seria permitido? Tipo, o sujeito meio durango “bicicletear” o pagamento de seus impostos para o ano que vem? Claro que não! O pessoal da receita iria dar a maior dura em cima...

Mas, agora voltando para o lado do governo, o próprio ministro da fazenda Guido Mantega admitiu que tais atrasos estão ocorrendo por falta de caixa nos cofres públicos.

Opa! Essa é uma questão da maior seriedade. De acordo com as fontes oficiais, a queda da arrecadação dos últimos meses (crise econômica + redução de impostos sobre carros, eletrodomésticos, material de construção, etc.) foram as causas do desequilíbrio que levou ao calote em questão (é calote sim!).

E tal situação apenas comprova o que venho alertando há anos: no período de vacas gordas (até o ano passado) o governo conseguiu aumentar sua arrecadação pelo bom momento da economia nacional (em função do contexto global) e elevação da carga fiscal.

Mas ao invés de usar pelo menos parte desse dinheiro para criar um fundo para os tempos difíceis, o executivo federal pisou fundo no acelerador e gastou ainda mais do que arrecadou.

Vejamos os dados:

Em termos reais (descontando a inflação – IPCA), de acordo com o site da Receita, a arrecadação federal de janeiro a agosto chegou a 436,8 bilhões nesse ano, diante de 471,7 bilhões somados no mesmo período do ano passado. A diferença a menor, então, chegou a praticamente R$ 35 bilhões.

E foi nesse contexto que os contribuintes deixaram de receber seus 3 bilhõezinhos.

A questão é: será que existiria outra forma menos traumática de administrar a questão (sem aumentar impostos, é claro)? A resposta é um forte sim.

Tomando por base a organização da despesa pública feita pelo site Contas Abertas, poderíamos propor a seguinte economia de custeio ao governo federal entre janeiro e setembro:

• corte de 20% nas:
- diárias de viagem: R$ 113 milhões
- contratações por tempo determinado: R$ 123 milhões
- despesas variáveis de pessoal: R$ 239 milhões
- material de consumo: R$ 754 milhões
- material de distribuição gratuita: R$ 29 milhões
- passagens e despesas com locomoção: R$ 99 milhões
- serviços de consultoria: R$20 milhões
- outros serviços de terceiros: R$ 173 milhões
- locação de mão-de-obra: R$ 2.426 milhões
- outros auxílios financeiros: R$ 1.879 milhões
- material e equipamentos: R$ 186milhões
- aquisição de imóveis: R$ 173 milhões
• corte de 10% nos:
- benefícios assistenciais: R$ 27 milhões
- benefícios sociais: R$ 2 bilhões
- auxílios: R$ 199 milhões
-subvenções sociais: R$ 14 milhões
TOTAL: 8,7 bilhões

Ora, fazendo esse corte bem superficial (não entramos em despesas de publicidade e algumas mordomias desnecessárias ao nível da administração pública), temos quase 3 vezes o valor necessário para pagar aos trabalhadores a restituição de Imposto de Renda atrasada.

A conclusão é óbvia: a receita federal provou ser um órgão arrecadador de elevadíssima competência. Por outro lado, o Estado mostra ser um gastador de péssima qualidade: desperdiça em frentes não fundamentais; não executa orçamentos prioritários (investimentos, por exemplo); acabando por ficar na pindaíba por não saber gerar seus ricos recursos.

Extrapolando um pouco essa contabilidade, o governo tem buscado equilibrar seus rombos via atração de recursos especulativos internacionais. Isso, como comentei na última postagem, acaba gerando conseqüências gravíssimas em termos de valorização do Real, o que, por sua vez, detona com as exportações de produtos industriais e incentiva as importações. Ou seja, o contexto manda o setor produtivo para o beleléu.

Qual a solução para o problema? Aparentemente é simples. Gastar menos para ter menor necessidade de financiamento (e de arrecadação!).

Mas reconheço que isso é utopia em nosso conceito institucional. Conhecendo a história brasileira, medidas verdadeiras de contenção de gastos públicos talvez só ocorram quando pararmos de levar a sério coisas como o Tribunal de Contas e a sociedade civil (entidades privadas representativas da sociedade, como CNI, CNA, CUT e outras – nada de parlamentares!) assumir o controle de uma real auditoria permanente dos gastos públicos, arcando com os custos desse processo.

É o que chamo de auditoria da sociedade civil. Pode ser que dê certo.

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