sexta-feira, 16 de outubro de 2009

A Desaceleração das Vendas no Comércio

Existem coisas na economia que não são tão óbvias para se entender. Há algum tempo estamos alertando a respeito da queda da produção industrial e redução das exportações brasileiras.


O natural seria que a partir desses indicadores, uma rede coerente de causas e efeitos determinasse problemas ao nível do consumo. Afinal, com as fábricas reduzindo sua atividade e as vendas internacionais em franco declínio, nada mais lógico do que do verificar queda no nível de emprego, da massa salarial e, conseqüentemente, problemas ao nível do varejo.

Porém, os resultados do comércio mostram, predominantemente, uma realidade bem diferente. As vendas acumulam crescimento de 3,7% nos últimos doze meses tendo como base agosto passado, enquanto a expansão frente ao mesmo mês do ano anterior chegou a 5,5%.

No âmbito dos gêneros do comércio a situação oficial (dados do IBGE) só se mostra problemática ao nível de material de construção, vestuário/calçados e combustíveis, com esse último ainda em situação de crescimento em termos anualizados (barra laranja da ilustração abaixo).

Pelos destaques positivos, as lojas que vendem componentes de informática continuam mantendo forte alavancagem, mostrando que o ramo ainda tem muito caminho pela frente antes de chegar a um ponto de eventual estagnação. Esse diagnóstico não é invalidado pelo crescimento quase nulo de agosto de 2009 frente ao mesmo período de 2008. Provavelmente trata-se de questões circunstanciais.

Os gêneros de artigos farmacêuticos e livros/jornais também contabilizaram importantes ganhos no decorrer dos últimos meses.


As razões de tal comportamento podem ser centralizadas em três aspectos: a) incentivo de IPI para automóveis e linha branca (os hipermercados e os grades sites de comércio eletrônico centralizaram o aproveitamento desse beneficio fiscal) , apesar disso não ter materializado reação no âmbito do material de construção; b) sustentação de renda nos municípios do interior do Brasil (especialmente sul e centro-oeste) por conta da safra razoável, a preços menos deprimidos do que se imaginava inicialmente. Nesse caso, pesou a favor o contexto cambial mais adequado que predominou até maio último melhorando a receita exportadora das commodities; e c) a recente onda de liberalização e popularização do crédito ao consumo, o que tem sido, ainda, o principal fator de alavancagem do varejo.


Mas como advertimos na postagem do dia 15 de setembro, tal situação envolve riscos, a exemplo do que aconteceu recentemente com a crise global - conseqüência imediata da leviandade do sistema de hipotecas dos EUA, chamada de sub-prime. No caso brasileiro, o perigo é o de estourar algum tipo sério de inadimplência no âmbito do financiamento de automóveis e linha branca, o que poderia provocar uma espécie de efeito-cascata.

Atualizamos a próxima ilustração para agosto último e fica claro que mesmo que a massa salarial do país esteja mantendo um ritmo de crescimento da ordem dos 5% ao ano, as vendas do varejo mostram sinais de rápida desaceleração, caindo do patamar superior a 10% até o final do ano passado para percentuais próximos de 5% ou até menos (conforme o padrão de medida).

Tal arrefecimento das vendas também vem afetando o crédito. Porém o crescimento é ainda demasiadamente elevado para ter sustentação. Em agosto, os financiamentos a consumidores e lojistas crescia ao ritmo de 21% ao ano, o que mesmo sendo um patamar inferior ao apurado nos meses anteriores continua sendo um grande descompasso em comparação ao crescimento da renda, expresso na massa salarial.

Tal desproporção aparece mais claramente na última ilustração dessa análise. Simplesmente, nos últimos quatro anos, o avanço real (descontada a inflação) das remunerações de trabalhadores, autônomos e profissionais liberais foi de 24,5% o que, diga-se de passagem, é um ganho nada desprezível.


Mas ao mesmo tempo, o crédito associado ao comércio disparou 159% passando de 9,7% para 19,2% do PIB nacional. Num comparativo mais palpável ao leitor, não está errado dizer que a cada real de renda adicional conquistado pelo trabalhador, o seu comprometimento com empréstimos, em média, aumentou R$ 6,47 nos últimos 4 anos.

Tal comparativo é de arrepiar a espinha de qualquer gerente de banco. Vamos esperar para ver no que isso vai dar. Não será surpresa se começarem a falar em aumento de inadimplência nos próximos meses.





Curtas



1) Um dos assuntos mais comentados da semana: a eventual morte do dólar. Não é fora de propósito que a moeda norte-americana se desvalorize para equilibrar a balança comercial do país. Isso é um ajuste legítimo. Mas falar em morte das verdinhas só seria plausível após uma guerra global. Entenda-se de uma vez por todas: a moeda é, sim, um instrumento de poder! E quem perde poder, primeiro tem que ser derrotado. Esse não é o caso dos EUA... Pelo menos ainda.


2) O Presidente da República reiterou que não pretende taxar o capital externo que entra no Brasil (especulativo ou não). Tudo bem, existem outras maneiras de fazer com que o Real deixe de ficar tão valorizado. Será que depois de três dias acampado nas obras do São Francisco o Sr. Luiz Inácio da Silva poderia pensar em contingenciar a entrada de tais capitais; ou então definir prazos mínimos de internalização (maiores, é claro)? Não, acho que não ...


3) O Bank of America, maior banco dos EUA, amargou prejuízo de US$ 1 bilhão no terceiro trimestre. E quando as instituições financeiras perdem dinheiro, a situação é preocupante. Melhor ficar no sinal de alerta... talvez a crise financeira global tenha mesmo outro capítulo. A propósito, os EUA fecharam o ano fiscal com um déficit de US$ 1,4 trilhões, ou 10% do PIB do país. Sorte deles é que os títulos públicos de lá, com prazo de resgate superior a 30 anos, são ainda muito cobiçados mundo afora. E o lado positivo: a produção industrial subiu 0,7% na terra da Madonna. Os sinais econômicos, a exemplo dessa maravilhosa artista, são instáveis e cheios de caprichos.

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