terça-feira, 20 de outubro de 2009

O Brasil Multinacional

Em primeiro lugar é importante deixar uma coisa esclarecida: em economia, quem afirma taxativamente alguma coisa tem grande chance de estar mentindo. Afinal, a certeza envolve o conhecimento pleno de todas as leis da natureza da terra, do universo e, em certos casos, até da metafísica. Obviamente não há ser vivo com tal capacidade... Apenas alguns presunçosos que acham (ou dizem) que a tem.


O que podemos fazer é buscar algumas aproximações que nos deixem o mais perto possível da realidade observada. Visualizando padrões de comportamento é plausível identificar alguns padrões operacionais da economia e de setores específicos, projetando seus resultados futuros. Mas isso só vale até recebermos algum golpe proveniente de uma nova realidade que coloca esses padrões conhecidos no lixo.

Foi mais ou menos isso o que aconteceu com a detonação da última crise mundial, iniciada em setembro do ano passado. Simplesmente não dava para combater a bagunça financeira utilizando o conhecimento acumulado. Ações de micro-cirurgia eram ineficazes perante à forte hemorragia de apodrecimento de dinheiro que estava em curso. O jeito foi combater fogo com fogo (em alguns lugares conhecido como “à moda Miguelão”) e tampar os vazamentos com a injeção de mais e mais dinheiro, deixando para depois a solução dos estragos colaterais.

E se o mundo é um local de incertezas, o Brasil não poderia ser diferente, apesar de todos os discursos a que estamos acostumados a ouvir.

Uma das missões desse blog é exatamente buscar localizar tais incertezas, o que tem feito algumas pessoas influentes torcerem o nariz. Mas, sinceramente, sou alérgico ao “tudo certinho” e nunca vou resistir a buscar algum indício de “cabelo em ovo”.

Semana passada fiz pequeno deboche do Presidente da República, tratando da sua insistência pública em não reagir ao ataque especulativo ao Real. Minha proposta inicial, como medida de emergência, era taxar a entrada de capital externo de curto prazo, como forma de estancar a entrada de dinheiro de fora, que tornava a valorização de nossa moeda insustentável para os exportadores – especialmente da indústria.

Mas conhecendo a política brasileira, onde a negação é um forte indício da afirmação de fato, hoje foi dada a largada na tributação de 2% sobre as aplicações estrangeiras. O resultado imediato: até às 13:40h o dólar já acumulava alta de 2,34%.

Se tal medida será suficiente para reativar a competitividade exportadora do país, isso ainda é uma incógnita.
Afinal, não dá para esquecer a encrenca das contas nacionais (o governo tem dificuldades de girar sua dívida, o que torna o capital especulativo algo atraente para estancar a hemorragia das contas públicas, evitando a redução de gastos não prioritários para o público, mas essenciais para a política de poder).

Caso tudo funcione direitinho, como num mundo dos sonhos, em algumas semanas as exportações industriais podem começar a reagir, melhorando também o potencial do mercado nacional (competitividade para substituir importações), gerando empregos, melhorando também a renda interna, etc...

Mas tal medida der errado? Relembrando, não podemos nos esquecer de que certezas não passam de grosseiras burrices!

Bem, daí a encrenca não será das mais bonitas.

E o que fazer? Recomendar aos empresários exportadores que fiquem de braços cruzados, fazendo beicinho de choramingo? Isso não adianta!

O melhor é buscar soluções pragmáticas na direção de manter a essência da empresa viva. Para isso, é interessante olhar um pouco para a história dos países que tiveram mudanças de padrões cambiais, no sentido da valorização de suas moedas.

Nações como Japão, Coréia do Sul e outros asiáticos romperam com a pobreza interna através da priorização das exportações, a exemplo do que China e Índia fazem atualmente. Para isso, além de desenvolver produções seriadas de elevadíssima escala, a venda dos produtos era facilitada por um câmbio planejadamente desvalorizado.

O Brasil, dentro de seu contexto industrial e agrícola está em um estágio de desenvolvimento perfeitamente compatível com o quadro acima descrito. Entretanto, desde o Plano Real a indústria, especialmente, foi prejudicada pela situação cambial oposta, ou seja: extrema valorização que mina as exportações e distorce o mercado interno, com o preço dos importados artificialmente deprimidos.

Como falei, de nada adianta as empresas lamentarem tal situação. O negócio é agir. A história, ainda bem, oferece alternativas de soluções que não ferem os princípios dos acordos internacionais.

Voltando ao exemplo japonês, vejamos o que aconteceu na história econômica do país. Os rádios portáteis de pilha e outros badulaques que inundaram o mundo nas décadas de 50, 60 e 70 acabaram absorvendo crescentes contingentes de trabalhadores por lá. Naturalmente, o preço da mão-de-obra começou a aumentar, obrigando as indústrias nipônicas a desenvolver produtos de maior preço médio, ao mesmo tempo em que o Yene se valorizava por dois motivos: superávit comercial e interesse público na importação de insumos e produtos estratégicos (no caso, alimentos) a custo interno reduzido. Isso acabou fazendo com que os antigos radinhos fossem crescentemente aperfeiçoados, especializando o país em miniaturização eletrônica, robótica e outras atividades de ponta tecnológica na atualidade.

Por outro lado, os produtos mais intensivos em trabalho humano não iriam ser simplesmente abandonados. As fábricas acabaram “mudando de endereço”; foram produzir em países mais próximos aos núcleos de consumo, preferencialmente onde o custo do trabalho qualificado fosse menos elevado e o acesso às matérias primas facilitado. Por conta disso, empresas como Toyota, Honda, Toshiba têm, hoje, indústrias estabelecidas no Brasil e em vários outros países.

E nessa dinâmica de receptivo de investimento externo, quem levou as maiores vantagens foi a China: cambio deprimido e mão-de-obra de baixíssimo custo atraiu a maior migração de capital produtivo da história do mundo, alavancando os chineses para o pódio das maiores economias globais (junto com Japão, Alemanha e EUA).

E o que tais empresas investidoras (as multinacionais) ganham com isso? Simples: elas geram royalties e lucros para a matriz. Em resumo, passam a aproveitar os ganhos de capital e financeiros, ao invés de produtivos puros, deixando suas populações disponíveis para trabalhos de maior preço.

O Brasil, caso o câmbio não recue, queimou etapas, chegando em posicionamento no qual suas indústrias mais intensivas em mão-de-obra e matéria-prima têm a obrigação de começar a pensar seriamente em exportar fábricas. As maiores já fizeram isso. Gerdau, Marco Pólo, Tramontina, Odebrechet e várias outras partiram para tal solução globalizante há anos.

Está na hora de empreendimentos de menor porte também pensarem em trilhar o mesmo caminho. Calçados, móveis, proteína animal e outros produtos típicos de nossa pauta exportadora, com problemas de custo de origem cambial devem pensar em estratégias de “internacionalizar fábricas” para centros logisticamente mais adequados e trocar a exportação tradicional, pelo recebimento de rendas externas.

O mercado de trabalho do nosso país lamentará tal situação, uma vez que a ociosidade de mão-de-obra ainda é grande no Brasil. Mas não pensar em tais alternativas significa ficar a mercê da desastrosa política cambial dos últimos anos... e morrer!

Em resumo: quem internacionalizar fábricas deixa de gerar emprego no mercado interno; mas quem não fizer isso – no contexto atual – corre o sério risco de acabar morrendo e além de não gerar empregos no mercado interno, deixa de produzir qualquer tipo de renda. O que é pior?

O que acabei de dizer é uma certeza? Claro que não.. mas não é algo despropositado.



Curtas

1) Resultado de pesquisa do SERASA: o brasileiro está mais endividado e inadimplente. A pior situação está nos segmentos com renda mensal até R$ 500. Provavelmente o 13º salário aliviará a situação nos próximos meses. Mas o furo é mais embaixo. O endividamento aumentou de forma leviana; sem sustentação, como demonstrei em postagem da semana passada.

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