terça-feira, 18 de maio de 2010

A Encrenca Industrial Brasileira

Quando se imaginava que o pior da crise global já havia ficado para trás, eis que a irresponsabilidade fiscal da Grécia acordou o mundo para os graves problemas por que passa a União Européia.

Em resumo, o euro enfrenta a mais séria crise de confiabilidade de sua curta história, podendo, segundo o posicionamento de alguns países a ele ligados monetariamente, ser extinto e substituído pelas moedas originais das nações integradas.

Mas essa é uma questão que iremos discutir mais aprofundadamente nos próximos dias. O que importa, no momento para a presente análise, é que as medidas necessárias para tentar salvar a moeda européia tendem a ser recessivas, o que pode jogar um balde de água fria nas perspectivas de recuperação do comércio global.

Indicadores mais claros nesse sentido só estarão disponíveis a partir de junho ou julho. Mas a questão em si instigou a curiosidade para saber a respeito da situação das exportações brasileiras nesse contexto inicial de recuperação, após a brutal crise financeira detonada em setembro de 2008.

Porém falar de comércio exterior no Brasil não é algo muito simples. A economia nacional, mesmo não sendo caracterizada como desenvolvida, é diversificada o suficiente para ter várias especialidades potencialmente competitivas no mercado global.
 
É lógico que o leitor de um blog não espera uma análise exaustiva; mas sim algo resumido que dê uma idéia geral da situação em foco.
 
Assim, a ilustração a seguir mostra a evolução recente das exportações brasileiras em doze meses, segmentada em três níveis: produtos da base do agronegócio; minerais e mercadorias da indústria de transformação.

Não é novidade a grande ascensão agroindustrial do país no mercado internacional (linha azul). Entre dezembro de 2007 e o mesmo mês do ano seguinte as exportações do setor aumentaram 26%, desbancando a indústria de transformação da posição de liderança na geração de divisas para o Brasil.

A crise gerou, em termos anualizados, um impacto até que modesto no perfil de internacionalização dos produtos de base rural. Em novembro do ano passado a retração em doze meses, diante do melhor resultado já obtido (nov/08) chegou a 8,3%; e o dado de abril último revela uma defasagem de apenas 4%. Tais dados indicam uma atuação setorial amadurecida, com clara estratégia de sustentação parcial do valor dos produtos em foco, mediante o controle da oferta.
 
O caso dos produtos minerais (linha vermelha) mostra, ainda, os produtores brasileiros como os elos mais fracos da cadeia produtiva em questão. A crise global fez o preço médio dos minérios desabar 41%. Em valores, a retração chegou a 31,8% (comparação entre novembro de 2009 e o mesmo mês do ano anterior), sendo que em abril, a defasagem diante do apogeu se mantinha ao redor de 23%.

Por fim, a situação da indústria é a mais lamentável. O setor perdeu a hegemonia exportadora do país entre setembro e outubro de 2008. As vendas externas chegaram a despencar 30% (até dezembro/09) e mesmo com a recuperação dos últimos meses a defasagem continua em 25%.
 
O problema é que esse desempenho não é explicado somente pela crise internacional. Os dados analisados da produção industrial do país mostram que a despeito de resultados animadores no primeiro trimestre do ano, as fábricas ainda apresentam uma performance estagnada na medida acumulada em doze meses.



E a recuperação de tal situação não é lá muito simples. Além do menor apetite por compras do mercado internacional, o Brasil se depara com três problemas da maior gravidade.

O mais óbvio deles é o câmbio, que para gerar competitividade exportadora aos nossos gêneros industriais mais tradicionais deveria estar diante do dólar (incrivelmente voltou a ser a moeda forte do mundo, pelo menos nestas semanas) em uma paridade próxima a R$2,35.
 
Um pouco menos óbvio é o custo direto e indireto que o nosso país paga a mais pela ineficácia do sistema logístico. Estou falando de transportes internos ainda caros e lentos; além de terminais de carga aéreos e navais ineficazes e insuficientes para as demandas globais mais ágeis.

Por exemplo, se um pequeno importador resolver comprar uma quantidade modesta de produtos da China, no máximo em duas semanas, a mercadoria estará disponível para o comprador, caso não haja problemas de embaraço aduaneiro dentro do próprio Brasil. Por outro lado, de acordo com depoimentos próprios empresários exportadores, é algo inomum as encomendas industriais brasileiras honrarem prazos, especialmente por conta da falta de opções logísticas eficazes em termos de embarque e linhas comerciais de entrega partindo do Brasil.
 
Por fim, deve-se reconhecer que a base científica e de capacitação industrial do país não vem evoluindo como deveria. Nos portfólios dos distribuidores internacionais, afora algumas exceções, os produtos brasileiros aparecem como sendo de segunda ou terceira categoria; um pouco acima dos chineses, mas muito mais caros.
 
De acordo com esse quadro, além de uma espera, talvez mais longa, para o final da crise econômica mundial, o Brasil tem a obrigação de cumprir uma agenda bastante pragmática para recuperação da competitividade industrial.

Inicialmente, enumeramos três pontos para o cumprimento dessa missão:

- processo de recuperação cambial a ser obtido pela redução do grau de dependência do país do capital especulativo externo (para isso será necessário melhoria do desempenho das contas públicas);

 
- a modernização dos aeroportos e portos, sem dispensar a formação de uma marinha mercante que beneficie logísticamente o país (em tempo: isso não se fará pelo anacrônico e condenável fundo da marinha mercante);

- e, finalmente, a formulação de uma política industrial brasileira realmente séria, onde os segmentos fabris a serem apoiados sejam realmente apoiados com verbas para desenvolvimento científico; priorização de ensino técnico; e completa desoneração tributária para exportação; além de programas de desenvolvimento de credibilidade no mercado internacional.
 
Não digo que tal caminho seja apenas uma questão de pegar e fazer. A burocracia brasileira tem labirintos muitas vezes intransponíveis até para os líderes mais influentes e persuasivos.
 
Sendo assim, já passou da hora de se fazer uma grande faxina burocrática no Brasil. Que se re-escreva o código tributário; a Constituição; se acabe com os cartórios; modernize as aduanas; e se priorize verbas fiscais e pára-fiscais para ações de efeitos realmente pragmático voltados à melhoria da competitividade industrial.
 
Tal caminho foi adotado por países como China e Índia. A situação brasileira está mais perto da Rússia, onde o faz-de-conta é camuflado pela comercialização de recursos naturais.

O candidato à presidência que se comprometer com tal plataforma mereceria atenção da população.



CURTAS

• De acordo com dados divulgados hoje pela receita federal, a arrecadação de impostos fechou abril em R$70, 9 bilhões. Esse valor é um recorde para o mês, superando em 16,8% o resultado do mesmo período do ano passado. Com relação ao primeiro quadrimestre, a alta já está em 12,5%. Sem dúvida esse é um movimento claro de recuperação da carga fiscal, turbinado pelo final da redução do IPI em segmentos como automotivo, imóveis e eletroeletrônicos. O problema é que tal resultado tem cunho imediatista. Dados da Anfavea já mostram queda da produção de automóveis de 14,6% em abril último diante de março. Alta de juros, misturada com majoração de impostos pode acabar sendo uma alquimia explosiva para a atividade econômica.

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