quinta-feira, 13 de maio de 2010

Desmistificando a Inflação de Demanda

A verdade é que as contas públicas do governo federal andam meio na pindaíba mesmo. Nos últimos anos a administração pública pisou fundo nos gastos com o aumento do quadro de funcionários e outros custeios. Porém, com a queda da arrecadação a partir do final de 2008, começou a faltar dinheiro para pagar a conta, sem aumentar o endividamento.

A situação é grave e já há quem fale que o futuro presidente receberá de presente - no início da sua gestão - uma crise fiscal de grandes proporções.

Entretanto, admitir isso seria suicídio político. Dessa forma, o ministro da fazenda, Guido Mantega, tem lá seus motivos em anunciar que o corte de gastos de R$10 bilhões é uma maneira de conter o crescimento exagerado da economia brasileira, evitando a inflação de demanda.

Mas que raio de crescimento exagerado é esse? Primeiro usaram a inflação temporária dos alimentos, das matrículas e dos ingressos de futebol (veja postagem de ontem) para subir juros. Agora, aparentemente o campo está sendo preparado para nova alta da SELIC por conta do aumento das vendas do comércio varejista ampliado, de 22% em março último frente ao mesmo mês de 2009.

O número realmente é de dar gosto. Os destaques foram os segmentos de veículos (32%), material de escritório/informática (35%) e móveis/eletroeletrônicos (25,7%).

Coincidentemente, esses três gêneros do comércio foram beneficiados com redução de IPI no decorrer do ano passado e, especialmente, no ramo automotivo, o apelo comercial de que o benefício fiscal estava com os dias contados, realmente funcionou de forma primorosa.

Mas com raras exceções, somos obrigados a admitir que as lojas estão em um momento bastante animador. Na composição dos últimos doze meses, o setor teve crescimento de vendas de 9,6%, a despeito do resultado negativo do material de construção e expansão muito modesta da venda de combustíveis e produtos do vestuário.

Seria esse, então, mais um ponto a favor da tese do ministro da fazenda? De jeito nenhum!

A inflação de demanda ocorre quando se configura o que os economistas chamam de conflito distributivo, ou seja: a situação na qual a capacidade de produtiva é insuficiente para ofertar a quantidade de produtos que a sociedade quer consumir.

Daí, em tese, os preços sobem para equilibrar oferta e demanda.

Mas é algo estranho pensar que o Brasil de hoje possa estar enfrentando esse tipo de problema. A despeito das chuvas catastróficas dos últimos meses, nosso país é um dos maiores exportadores globais de produtos primários, havendo, estruturalmente, comida de sobra.

E pelo lado industrial a situação é mais inacreditável ainda. A próxima ilustração mostra, desde o início de 2008 (portanto antes da crise mundial), a evolução da produção física da indústria e das vendas varejistas em doze meses.

Interessante é que o comércio, nesse período, sempre se manteve em patamares de desempenho sensivelmente superiores ao das fábricas que inclusive, até março último, ainda não haviam encerrado a recessão iniciada no começo de 2009. Ora, se a produção cai isso quer dizer que as manufaturas ainda estão com capacidade ociosa, tornando impossível existir inflação de demanda real.

Para esclarecer: a sustentação dos resultados do comércio está ligado às importações de bens de consumo, que vem se mantendo em alta, a não ser por um curto período entre setembro de 2009 e fevereiro de 2010 no âmbito dos produtos duráveis, por conta da elevadíssima base comparativa do ano anterior e a estocagem de produtos (questão de oportunidade cambial).

Quando a indústria brasileira estiver com crescimento anualizado beirando os dois dígitos e o comércio sustentar o mesmo ritmo, aí sim poderemos começar a conversar a respeito da inflação de demanda.

O problema atual, que leva ministro da fazenda a cortar o orçamento ( apesar da insistência em ressuscitar a Telebrás) chama-se desequilíbrio das contas públicas. A indústria é onde mais se concentra a carga tributária brasileira; e a recessão do setor, imposta em muito, pelas dificuldades cambiais (que facilitaram as importações) é que acabaram minando as pretensões de gasto do governo federal, obrigado a cortar custeio.

A solução de curto prazo para esse problema é simplesmente tornar os papéis brasileiros mais atrativos, aumentando juros, para captar investimentos maiores que cubram a despesa planejada.


E assim, chegamos ao ponto crucial da questão: é o desequilíbrio das contas públicas que está fazendo com que as autoridades monetárias busquem aumentar a Selic. A inflação de demanda (inexistente em patamares relevantes) não passa de um bode expiatório.

Curtas



1) A Espanha vai ferver como a Grécia. Os funcionários públicos do país terão redução de 15% nos seus salários; quem quiser ter filho não vai mais contar com o apoio financeiro do estado; e a aposentadoria parcial está em vias de acabar. O difícil de perder o juízo não é o fato de ficar louco, mas sim o de recuperar a razão e ter que consertar as maluquices feitas.

2) Os EUA, aparentemente, saíram da recessão. O país cresceu 2,8% no primeiro trimestre, enquanto a União Européia continuou em baixa, com minguados 0,2%. O outro lado da moeda: o déficit comercial norte-americano de março fechou em US$ 40,4 bilhões, o que é o maior prejuízo das contas externas desde dezembro de 2008. Se isso explica o crescimento, também evidencia que o país não aprendeu suas lições coma crise. Se os EUA não se re-industrializarem estarão correndo o risco de perder a hegemonia econômica global e muito mais...

3) Sinceramente, talvez fosse melhor para o Brasil e Argentina dar, finalmente, um basta nessa encrenca do Mercosul. Se o país vizinho não pára de tentar criar barreiras para os produtos brasileiros é óbvio que as condições de integração não existem. Melhor ficar solteiro flertando com quem agradar, do que insistir em um casamento completamente neurótico, imposto por uma questão de vizinhança e não de afinidade.





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