sexta-feira, 16 de julho de 2010

Brincando de Céu de Brigadeiro

Tenho um grande amigo que não vou dizer o nome para evitar que ele se torne um inimigo e me processe.

Mas já tem muitos anos que eu o chamo pelo apelido de zebu. E quando isso acontece, ele me olha de forma muito séria e responde com um singelo "mu".

Advogado de formação, o zebu ao qual me refiro teve um sonho na sua vida não realizado: queria muito aprender a pilotar aviões. Mas uma agenda demasiadamente ocupada não permitiu, ainda, que frequentasse aulas de pilotagem.

Com a intenção de provocá-lo, acho que isso faz muito bem para os céus do mundo, uma vez que seu desempenho na condução de carros é lamentável; do tipo que é capaz de transformar, em alguns meses, um automóvel de médio ou grande porte em um carro compacto.

Bem, para saciar seu desejo de pilotar aeronaves, nos últimos anos ele tem se contentado com simuladores de vôo para computadores. Há algum tempo o zebu fez tanta propaganda sobre o hobby, que me convenceu a também comprar o software.

Depois de algumas tentativas frustradas de decolar, pousar, ou mesmo conduzir um avião durante vôo, tive a certeza que a Airbus tem sorte de não me ter como piloto de testes. Só sobraria sucata!
 
Lembrei dessa situação pouco depois de ler várias análises entusiasmadas a respeito do recorde de geração de emprego formal no Brasil no primeiro semestre desse ano.

De antemão, já afirmo ao leitor que tem um pouco de lorota nessa história.

Sim, entre janeiro e junho de 2010, o mercado de trabalho no Brasil aumentou a oferta de vagas em 1,47 milhões de postos de trabalho.


O problema é que a geração de empregos no mesmo período de 2009 foi tão pequena por conta da crise global (menos de 300.000 vagas), que o número subseqüente, após passar da fase aguda do colapso financeiro internacional, só poderia ser espetacular mesmo. Tal contexto não dá mérito algum a uma eventual eficácia de políticas econômicas.

 
Veja na ilustração acima que nos anos anteriores o número de vagas formais disponíveis no mercado de trabalho brasileiro vinha crescendo gradativamente e despencou em 2009.

Para ser bom mesmo, o dado do primeiro semestre de 2010 deveria compensar o fiasco do ano anterior e crescer pelo menos um pouquinho.

Mas o fato se mostra muito diferente. Na média dos dois anos em foco, foram criados 886 mil empregos com carteira assinada, o que é, inclusive, inferior ao resultado de quatro anos atrás, quando a economia brasileira nem estava tão aquecida.

E dentro desse contexto, o que me parece mais comprometedor é que esse tipo de informação distorcida está sendo usada para maquiar uma realidade econômica do Brasil que não é lá muito tranquila.

 
Por isso me lembrei de meu amigo zebu.

O simulador de vôos que ele tanto aprecia tem o poder de criar uma infinidade de faz de conta, em termos de situações que uma aeronave pode enfrentar: desde o tão falado céu brigadeiro, ou até mesmo intensas turbulências.
Mas quando se distorce informações da realidade econômica de um país, as possíveis conseqüências não tem nada de simuladas: se está induzindo ao erro empresas e pessoas bem reais.

 
É lamentável, mas na medida em que as eleições forem definidas e o futuro presidente ou presidenta tomar posse, uma verdade não muito agradável tenderá a começar a aparecer. Mas daí será tarde para que a sociedade brasileira possa debater democraticamente os rumos a serem seguidos.

Afinal, em nosso modelo político, o eleitor só pode intervir na administração pública a cada quatro anos, mesmo que os compromissos assumidos pelo candidato eleito não sejam cumpridos.

Começo a ficar convencido de que um Brasil parlamentarista, onde os governos que não cumprem suas promessas são derrubados, seria, no longo prazo, bem mais saudável para o desenvolvimento nacional.



Curtas

 
Juros em Alta - Pelo terceiro mês seguido a taxa média de juros subiu para as pessoas físicas. De acordo com a Anefac, a remuneração do crédito, em junho, ficou em 6,9% ao mês, o que é equivalente a 123% ao ano. O maior vilão da história é o cartão de crédito, cujos juros analisados chegam a bagatela de 238%. Diante de tais números, é sempre recomendável pensar muito bem antes de se endividar, ou mesmo extrapolar o orçamento mensal.
 
Recorde Tributário - No primeiro semestre a arrecadação de impostos federais chegou a R$ 382,9 bilhões, o que é o maior patamar de receita pública obtida na história do Brasil nesse período. Os tributaristas de plantão justificam esse resultado a patir de uma composição de fatores que incluem fim do benefício de IPI para vários produtos, melhoria da fiscalização e outras medidas que descaracterizariam o aumento de carga tributária. Pura mentira: a conta é muito simples. A arrecadação aumentou 18% em comparação ao primeiro semestre do ano passado, enquanto o PIB subiu 9% (por conta da base comparativa deprimida). Ora, se o dinheiro destinado aos cofres públicos aumentou mais do que o crescimento da economia, é lógico que a carga fiscal cresceu. E mente quem diz o contrário. O pior é que esse dinheiro não vai melhorar a qualidade dos serviços públicos; só vai deixar a conta bancária de cada um de nós mais pobre...

 
Reforma Financeira nos EUA - O Presidente norte-americano ainda deve estar festejando a última vitória política, ao aprovar no Congresso sua proposta de reforma financeira. A nova Lei, com duas mil e tantas páginas, torna bem menor a liberdade dos bancos para assumir riscos empresariais. A nova regulamentação é a resposta do Estado ao trauma que ficou das trapalhadas dos financistas, o que acabou desencadeando a crise iniciada em 2008. Porém, se a dose de engessamento for excessiva, os EUA podem estar prestes a dar adeus à característica mais marcante do sucesso econômico do país: a coragem para assumir riscos empresariais; a liberalidade de falir e aprender com os erros para se levantar de novo e ter sucesso. Bem, cada povo com as suas decisões...


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